Trabalho de Conclusão de Curso em Arquitetura e Urbanismo na Escola da Cidade , sob orientação de Vitor Pissaia
Pesquisa sobre a espacialidade na Arquitetura, que teve como resultado o desenvolvimento de um projeto especulativo no Espaço Sideral
São Paulo, Brasil, de setembro de 2020 à agosto de 2021
"Todo projeto de arquitetura é, a princípio, uma obra de ficção. Somente se tornará real após ser concretizado."
Apesar de existirmos em um universo tridimensional, o mundo que habitamos é essencialmente bidimensional: dos três eixos (x,y e z) que constroem o universo ao nosso redor, podemos nos deslocar naturalmente apenas pelos eixos x e y. O eixo z nos é inacessível por si só, sempre exigindo algum mecanismo para ser vencido (escada, rampa, elevador, etc.).
Isso não ocorre a toa. Estamos presos ao planeta Terra pela força da gravidade e consequentemente todas as coisas que inventamos estão a ela diretamente relacionadas. Todos que nascem no planeta Terra tem muito claro o conceito de cima e baixo: aquilo que está "mais perto do céu" está em cima, e o que está "mais próximo do chão" está em baixo.
Além disso, também sabemos que na Terra, todo espaço é finito. Por exemplo: onde acaba a terra, começa o mar; onde acaba uma elevação, começa uma descida ou plano; onde acaba a floresta começa o descampado. A finitude nos é tão natural, que essa regra se aplica dos conceitos abstratos - ex: onde acaba a vida começa a morte - e às noções de organização espacial - onde acaba o território de um país, por exemplo, começa outro.
Finitude e gravidade são as bases inconscientes para tudo que produzimos, e não haveria de ser diferente no caso da arquitetura. Para pensar em uma nova forma de arquitetura, teríamos que projetar em um lugar onde nenhuma dessas regras se aplica: o Espaço Sideral. Em um lugar onde em cima, embaixo, começo e fim não existem, a construção do espaço adquire infinitas novas possibilidades e a partir desse momento deve-se valer de um novo conjunto de referências, que pela primeira vez não está presente na arquitetura em si, mas em outras formas por vezes ignoradas e desprezadas por arquitetos, de criação de espaços: a literatura de ficção científica.
O que aconteceria nesse lugar onde tudo é espacialmente possível? Qual é o resultado de uma arquitetura que pela primeira vez não está sujeita a um grande número de limitantes físicas?
Foi a partir dessas questões que o projeto de um espaço no Espaço foi desenvolvido. Por ter um caráter totalmente especulativo e experimental, onde qualquer coisa seria possível, era necessário definir pelo menos alguns conceitos base para direcionar o trabalho: Incognoscibilidade, Dispositivo e Desorientação. O resultado foi um lugar, um espaço perdido em meio a imensidão do Espaço.
Representado em ilustrações, as imagens do projeto e textos da pesquisa foram compilados em uma publicação, que por sua vez foi impressa em offset. Por se tratar de uma pesquisa cujo um dos pilares era a desorientação, os textos foram diagramados em diferentes direções, de modo que ao girar o livro para ler, o leitor não definisse um sentido certo para ver as imagens, pois no Espaço não existe nem em cima e embaixo.
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Ao longo do um ano de desenvolvimento, fiz algumas vezes o exercício de descrever esse lugar como uma visitante pra poder compreende-lo melhor. Embora não tenham entrado formalmente no trabalho final, alguns desses textos em muito foram importantes para o processo, e por isso, a seguir está um dos exemplos escritos:
"Foram muitos os esforços para mapeá-lo, para encontrar suas fronteiras. Foi apenas depois de gerações de moradores que repararam que seria tudo em vão, que pela primeira vez a espécie humana não lidava nem com começo e fim, nem com norte e sul.
É impossível saber onde se está.
As vias de formato cilíndrico podem ser percorridas em toda sua circunferência, são exatamente iguais entre si e não há nenhum ponto de referência que de a pessoa uma mínima ideia de direção. Soma-se a isso o fato de que todas elas se movimentam: giram em torno do seu próprio eixo, vagam sem um rumo definido, bamboleiam através do espaço, orbitam múltiplos pontos ao mesmo tempo. Não se sabe ao certo a que se deve o movimento próprio de cada via, mas juntas se expressam em um balé, uma coreografia milimetricamente calculada na qual jamais se chocam umas com as outras e limitam-se a uma aproximação suficiente para que seja possível saltar de uma via para outra e seguir por um caminho totalmente diferente.
Um lugar como esse seria extremamente monótono, não fossem os infinitos programas que acontecem ao longo de seus infinitos caminhos, cada um com sua diferente relação com o espaço e materialidade diferente. Aqueles que lá vivem percorrem os Desfiladeiros, ocupam os Hipercubos, saltam as Janelas, e observam a passagem acelerada do tempo perto de algum Buraco Negro. Existem até lendas de um fim do caminho, de uma borda do infinito.
Ninguém sabe como, quando ou por quem foi construído. Se um dia teve um nome, esse já foi há muito perdido. Tudo o que se sabe é que um dia foi descoberto e habitado, e aquelas pessoas passaram a chama-lo apenas por Zero."
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