VERSÃO DIGITAL DA PUBLICAÇÃO - ESPAÇO ZERO
Trabalho de Conclusão de Curso em Arquitetura e Urbanismo na Escola da Cidade , sob orientação de Vitor Pissaia
considerações sobre o arquivo digital: como você pode ver pelo vídeo abaixo esse é m livro que precisa ser lido em mão. Todos os textos desse seguem uma orientação diferente, e portanto lê-lo no computador seria um grande inconveniente. Pensando nisso, criei essa página para que os textos possam ser lidos digitalmente. Cada imagem aqui representa duas páginas do livro impresso, cada texto em seguida é exatamente o escrito naquela página.
Todo projeto de arquitetura é, a princípio, uma obra de ficção. Somente se tornará real após ser concretizado.
Mesmo assim, é tratado como algo tão real que acaba sendo confundido com a própria obra. E é justamente ao se apegar tanto à realidade que a arquitetura perde uma de suas mais valiosas fontes de inspiração e referência: a literatura de ficção científica.
Quando desenhado, a compreensão de um espaço ou arquitetura, se torna muito mais simples, sendo muito mais diretamente assimilado. Porém, no caso dos espaços descritos em texto, essa compreensão é muito mais abstrata e indireta, possibilitando uma riqueza muito maior, elemento fundamental para a ficção científica, especialmente pelo fato de que cada cenário desempenha um papel fundamental no desenvolvimento da história.
Nas obras que tratam de futuros distópicos, como Nós, 1984 e Metrópolis, a radicalização dos cenários usuais das cidades é um dos principais recursos a fim de causar aproximação e, ao mesmo tempo, estranhamento em relação à história, característica típica desse ramo da literatura.
Já nas obras voltadas a temas relacionados a realidades alternativas, viagens no tempo e consciência humana, características da escrita de Philip K. Dick, são empregados outros elementos completamente diferentes. Ainda que ocorram em cidades e lugares com conjuntos de referências familiares, a construção espacial desses locais se baseia na sobreposição de diferentes camadas de realidade e tempo, conferindo aos cenários criados uma espécie de dimensão extra que acaba por ditar o rumo da trama.
Porém é no gênero “space opera” e nas demais histórias que têm lugar no Espaço Sideral que os autores tomam maiores liberdades na criação dos espaços, uma vez que esta arquitetura não tem a necessidade de estar limitada a elementos básicos presentes na Terra, como no caso da gravidade.
Quando pensada para o Espaço, a mais básica das arquiteturas se torna redundante e sem sentido. O simples fato de não haver gravidade exclui a necessidade de “chão”, de conceitos de “cima”e de “baixo”, da existência de qualquer ponto de referência fixo baseado na posição das pessoas. Assim, uma simples planta de arquitetura, que é a representação de determinada arquitetura em relação ao eixo bidimensional, se torna totalmente inadequada para a arquitetura espacial.
Além da ação da gravidade, a escala também desempenha um papel de fundamental importância na construção espacial neste gênero literário. Porém, tais escalas superam em muito as tratadas na arquitetura terrestre. Enquanto os maiores projetos atingem o tamanho máximo de cidades, as tramas dos livros de ficção científica frequentemente ocorrem em planetas, sistemas solares ou em uma ou mais galáxias. A necessidade de lidar com escalas tão grandes requer, tanto ao autor quanto ao leitor do livro, a compreensão de que, apesar de mensuráveis, elas são altamente incognoscíveis: jamais poderão ser de fato concebidas e entendidas pelo leitor pelo fato de serem muito maiores que as escalas experienciadas pelo ser humano.
Além desses dois fatores, o Espaço abriga objetos e fenômenos particulares não observados na Terra e ainda pouco compreendidos por aqueles que os estudam. A maioria desses objetos também acaba por ser totalmente incognoscível, tenham eles sua existência já provada - buracos negros -, tenham sua existência apenas teorizada - buracos de minhoca - ou sejam conceitos não visualizáveis - o infinito.
Considerando todos esses elementos, o Espaço contém riqueza e complexidade de fatores tão grandes que, se explorados, podem servir de base para a mais rica criação de projetos de arquitetura.
No entanto, um projeto no espaço ainda é ficcional e não factível, sendo poucos os exemplos que lidam com esse ambiente dentro da arquitetura. A maioria dos projetos idealizados para ambientes não terrestres são concebidos sempre com objetivos e usos muitos similares aos que vemos na Terra, como as bases de estudos em Marte ou os postos de mineração na Lua.
Mesmo nesses projetos, a arquitetura ainda tem uma participação muito tímida, limitada quase somente à parte estética dos edifícios. Um dos motivos é a necessidade de sua viabilização que, no Espaço, está sujeita a demandas técnicas complexas e específicas como sistemas de vedação, purificação do ar, isolamento térmico, entre outros. Desse modo, a maioria dos projetos não terrestres tem a maior participação de pessoas do ramo da engenharia, da física e da matemática.
Alguns dos maiores projetos já propostos são estações espaciais na escala de pequenas cidades desenvolvidas em laboratórios pelos estudantes de física e engenharia da Universidade de Princeton em parceria com a NASA e administrados pelo físico Gerard O’Neill ao longo da década de 1970. Procurando testar a viabilidade de implementação de assentamentos no Espaço, cada projeto idealizava cidades inteiras dentro de grandes estruturas em formatos cilíndricos, anelares ou esféricos nas quais era possível criar uma gravidade artificial semelhante à terrestre.
Apesar da equipe contar também com alguns arquitetos, sua participação se limitava aos edifícios no seu interior, a áreas independentes à estrutura externa - casas, edifícios públicos e centros comerciais. Assim, algumas das características espaciais mais marcantes desses lugares, em especial o fato de se apresentarem quase como planetas ao avesso, ocupando uma superfície côncava ao invés de convexa, acabaram por não ser exploradas em todo seu potencial. Como proposto no enunciado do citado estudo, as estações espaciais cumprem estritamente o papel ao qual foram concebidas sendo o espelho perfeito da vida na Terra, sem grandes alterações nas finalidades e espacialidades dos edifícios internos.
Levando em conta essas características, projeto procura considerar as particularidades previamente citadas sobre o Espaço, uma ves que seria um disperdício não levá-las em consideração e apenas adaptar um projeto terrestre a um ambiente totalmente diverso.
Para seu desenvolvimento, foram elencados 3 conceitos-base - Desorientação, Incognoscibilidade e Dispositivo - traduzidos espacialmente em vias cilíndricas de gravidades próprias, infinitas em comprimento e quantidade, ao longo das quais acontecem infinitos programas, cinco dos principais apresentados adiante.
A Desorientação é a ausência de pontos de referência. Está presente no projeto na infinitude das vias e no fato de cada uma pode ser ocupada ao longo de toda sua circunferência, resultando na inexistência de uma orientação baseada em apenas um plano de ocupação do espaço.
A Incognoscibilidade é a impossibilidade de compreensão devido a profunda falta de conjunto de referências. É traduzida primeiramente no fato de ser infinito, uma vez que o infinito é um conceito compreensível, porém intangível por jamais poder ser experienciado.
Por fim, os Dispositivos são conceitos, objetos ou fenômenos que traduzidos espacialmente dão origem aos programas e ambientes dentro desse lugar.
O resultado é um projeto de um lugar referido pelos habitantes somente como Zero.
JANELAS
Buracos de minhoca são grandes distorções hipotéticas do espaço-tempo. Sua existência, se provada, possibilitaria a ligação de dois pontos distantes presentes no mesmo universo ou em universos distintos.
As Janelas são como buracos de minhoca, portais que possibilitam a locomoção a diferentes partes do Zero. São a espacialização do infinito, pois atravessando cada uma das infinitas janela, pode-se acessar um dos infinitos pontos do mesmo universo, ou de um dos infinitos outros universos.
desfiladeiros
Apesar de cada via ter uma pequena atmosfera, tornando possível sua habitação por seres humanos, essa fina camada não ultrapassa os 3 metros a partir da superfície. Para além dela, está apenas o vácuo, onde o som não se propaga. Consequentemente, Zero é quase inteiramente um local silencioso e de certo modo inóspito.
Porém, ao longo de todo o Zero, podem ser encontradas estruturas gigantes no caminho de cinturões de asteróides, capazes de traduzir espacialmente o som da colisão desses objetos com sua superfície metálica. São algumas pequenas ilhas de som em meio a todo o vazio.
hipercubos
Um hibercubo é um cubo na quarta dimensão, cujas faces são formadas por cubos tridimensionais. Por ser um objeto quadridimensional um hipercupo é incognoscível, e sua representação na terceira dimensão é traduzida em um cubo menor interno ligado pelos vértices a um cubo maior externo. Quando rotacionado ao longo de um dos seus eixos - x, y, z e w -, aparenta estar girando dentro de si mesmo.
O Zero está repleto de Hipercubos. Aparecem como grandes lanternas em constante rotação ao longo de um ou mais eixos, nas quais qualquer um pode ocupar uma das faces tridimensionais desse espaço quadridimensional.
buraco negro
Um buraco negro tem uma gravidade tão alta que é capaz de distorcer o espaço-tempo. Essa distorção faz com que, quanto mais próximo de um buraco negro uma pessoa estiver, mais devagar o tempo vai passar em relação a pontos mais distantes.
Portanto uma estrutura que circunda um buraco negro serve como um observatório, possibilitando a qualquer um que a ocupe ver o tempo, e presenciar inteira eras em apenas algumas horas.
fim do caminho
Para toda regra, há uma exceção. Portanto, para toda a infinitude de vias infinitas, deveria existir pelo meno s uma com um fim. Ninguém pode confirmar se ela realmente existe, pois nada a diferencia das demais. E aqueles que chegam no fim preferem não comentar sobre, pois a simples ideia da finitude em meio ao infinito é angustiante demais.
Agradecimentos
Antes de tudo, queria agradecer à minha família, por todo amor e carinho. Por me darem todas as oportunidades e apoio do mundo. Ao papai, por ter me apresentado uma das coisas mais importantes da minha vida, o Espaço. À mamis, por ter feito eu me increver no vestibular da Escola, e toda a paciência com a correção do texto. E à Lólis, por ter me ajudado tanto no processo e ter povoado o projeto com várias escalhinhas, algumas muito grandes, outras muito pequenas, mas todas perfeitas. Vocês são a coisa mais importante da minha vida, amo vocês mais que tudo.
Ao Vitor Pissaia, por ter topado me acompanhar e orientar nessa louca odisseia no Espaço. Obrigada por toda a paciência, por todas as referências e principalmente por todas as conversas sobre a vida, o universo e tudo mais. Nínguem mais seria capaz de me ajudar tanto e nada disso seria possível sem você. Obrigada pelo ano!
À Beatriz Oliveira, que foi quem começou isso tudo - só queria me dar um presente de aniversário, e olha onde chegamos. À Annabel Melo e Marina Liesegang por terem sentado comigo - na saída de emergência - no avião para a Escola Itinerante do Rio, e daí em diante terem mudado toda a minha vida. Amo vocês três com todo o meu coração.
Por último, queria agradecer à todas as pessoas incríveis que me acompanharam ao longo dessa intensa graduação, por todas as viradas de projeto, todas as viagens, todos os jks. Enfim, obrigada por todo companheirismo, e por tudo, tudo mesmo, de verdade!
Bibliografia
SCHARMEN, Fred. Space Settlements. New York: Columbia Books onArchitecture and the City, 2019
BORASSI, Giovanna; ZARDINI, Mirko. Other Space Odysseys. Montreal: Canadian Centre for Architecture, 2010
BOOKS, Spector. Planetary Echoes: Exploring the Implications of Human Settlement in Outer Space. Leipzig, 2015
CLARK, Arthur C. 2001: Uma Odisseia no Espaço. São Paulo: Aleph, 2013
CLARK, Arthur C. Encontro com Rama. São Paulo: Aleph, 2013
LEM, Stanislaw. Solaris. São Paulo: Aleph, 2013
ADAMS, Douglas. O guia definitivo do mochileiro das galáxias. São Paulo: Arqueiro, 2016
LE GUIN, Ursula K. Os despossuídos. São Paulo: Aleph, 2019
ASIMOV, Isaac. Série da Fundação. São Paulo: Aleph, 2009
DICK, Philip K. Espere agora pelo ano passado. Rio de Janeiro: Suma, 2018
DICK, Philip K. Ubik. São Paulo: Aleph, 2009
VON HARBOU, Thea. Metrópolis. São Paulo: Aleph, 2019
ZAMIÁTIN, Ievguêni Ivánovitch. Nós. São Paulo: Aleph, 2017